domingo, 12 de outubro de 2008

Entrevista com ninguém - Por Marcello Borba

Entrevista com ninguém:

-Bem, o gravador está ligado, posso começar?
-Pode.
-Como você se sente sendo um total fracassado?
-Me sinto bem, obrigado.
-Como assim?
-Todo mundo sonha em vencer na vida, eu não consegui fazer nada e me orgulho disso. Fiz o que ninguém quer fazer, fracassar. Isso é uma vitória.
-Mas você não tem sonhos, objetivos, vaidade?
-Não! Isso é para tolos. Eu não sonho, meus objetivos são nenhuns e vaidade para mim não é nada. Com diria Mario Quintana: “Quem não sabe aonde quer ir, aonde chegar está bom."
-Então para quer você vive?
-Ora, eu não sei, na verdade sei que não dar para explicar. Espera um pouco. Achei uma teoria. Vivo por viver; muitas, pessoas traçam objetivos na vida: “quero ser professor, médico”, mas se essas pessoas não alcançarem o que querem entram em depressão. Eu não quero nada, tudo o que surge para mim é normal. Vivo, mas nem sei se vivo. O que é viver? Cada um tem seu objetivo, com já disse, eu não tenho objetivos, logo, vivo sem viver.
-Você não fica triste com isso?
-Lógico que não! Se não tenho objetivos não tenho fracassos e logo não fico triste nunca.
-Então, você fica sempre alegre?
-Não! Sou apenas um cara normal, se ganho algo não fico feliz, pois eu não quero nada. Felicidade só existe para quem tem objetivos e os alcança. Eu já disse, não tenho nada, não quero nada e vou morrer com nada. Isso me deixa tranqüilo
- O quê? O fato de morrer com nada?
-Também, mas o principal é que vocês que lutaram para conseguir algo vão morrer sem nada, eu que nada lutei com nada morrerei. Incrível não?
-Triste.
-Está vendo, você luta por algo, por isso fica triste.
-Você trabalha?
-Não.
-Você faz o que da vida?
-Nada.
-Como você vive, ou melhor, não vive?
-Minha mãe está viva, ela cuida de mim. Ela lava as minhas cuecas, bota meu almoço, passa a minha roupa e tudo o mais.
-Você tem namorada? Ama alguém?
-Não. Nem sei o que é o amor. Já li muitos livros, mas não sei o que é. Mas acho que não vou descobrir.
-Cara você é complicado.
-Eu? Como, se eu não quero nada?
-Deixa para lá. Você gosta de ir a algum lugar?
-Eu freqüento muito uma praça que existe perto de casa, é muito bonito lá.
-Então, encontrei algo que você gosta?
-Eu não disse que gostava, disse que freqüentava.
-Você tem amigos?
-Não. Eu conheço algumas pessoas nem sei se são amigos. Pedem-me dinheiro emprestado e não pagam. Isso é amizade, né? Bem, boa pergunta, essa fica sem resposta.
-Você não sonha com nada, não quer nada, vive para nada, o que você acha disso?
-Eu sou um poeta.
-Sabe de uma coisa, gostei de você, acho que você tem razão. A vida é muito chata. O melhor é não viver.
Não viver não envelhece, não dá preocupação, não traz nada e também não leva.
-Viu, eu tenho a razão, academia ai vou eu. Agora sim, você é um ser humano de verdade. Lutamos para um dia não fazer nada, não seria melhor nada fazer a vida toda? É muito mais prático.
-Parabéns! Você é um gênio. Você salvou a minha vida.